A principal característica da
cantiga de amigo é a voz feminina, que canta os lamentos da ausência do “amigo”, que é ”amante”. Diferentemente das cantigas de amor, onde a
mulher é a “senhor” que o homem, seu “vassalo”,
idealiza como algo inatingível, e que deve ser apenas objeto de um amor puro,
espiritual, nas cantigas de amigo, a mulher que canta tem seu corpo valorizado,
e por vezes se encontra em ambientes populares e naturais , lamentando que seu
amante não esteja com ela , ou porque tenha partido, ou porque ainda esteja a
chegar, e em outras ocasiões encontra-se também alegre, satisfeita com sua
presença. As cantigas de amigo, embora tenham vozes femininas, eram compostas e
cantadas por homens. A seguir uma composição de João Soares Coelho (XIII), uma
cantiga de amigo, com organização estrófica paralelística e de refrão:
a la fonte e paguei-m'eu delos
e de mi, louçana
Fui eu, madre, lavar mias
garcetas
a la fonte e paguei-m'eu delas
e de mi, louçana.
A
la fonte [e] paguei-m'eu deles;
aló
achei, madr', o senhor deles
e de mi, louçana.
[E], ante que m'eu d'ali
partisse,
fui
pagada do que m'el[e] disse
e de, mi louçana
Nesta cantiga, a voz
feminina tem como interlocutora sua mãe, e para ela conta que foi à fonte lavar
seus cabelos (e seguindo o esquema paralelístico em que foi composta, na
segunda cobra a mesma ideia é colocada, porém, com a substituição de “cabelos”,
por “garcetas” que quer dizer “tranças”), e que gostou muito de se ver, provavelmente
refletida na água, isso se verifica no refrão “e de mi, louçana”, sendo que louçana quer dizer “ vistosa”. Ou
seja, a sua beleza física sendo reconhecida por ela mesma, a partir de um
momento “sensual” em que ela lava seus cabelos na fonte, evidencia a diferença
da figura feminina presente nas cantigas de amigo, com relação àquela presente
nas cantigas de amor, onde a beleza que é notada é mais interior que exterior. Depois
entra a figura do homem, o amigo, que é senhor dos cabelos e que diz coisas a
ela, as quais a deixam satisfeita (o termo “pagada” presente na última cobra
quer dizer “contente”, “satisfeita”).
Assim, temos um bom exemplo
de cantiga de amigo, composta por João Soares Coelho, que tanto em conteúdo,
quanto em forma deixa claros os aspectos próprios deste tipo de cantiga. Vale
dizer que as cantigas de amigo tinham um caráter popular, e por vezes as vozes femininas
presentes nelas são, provavelmente, de camponesas, e além disso, eram comumente
cantadas, e feitas para isso, o que garantia sua popularização nos ambientes em
que eram interpretadas.
Abaixo segue uma reinterpretação de uma cantiga de Amigo de Airas Nunes(XIII):
Referências:
http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp#4
http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=883&pv=sim
http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=16
http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=709&pv=sim
A arte de Trovar. Do Cancioneiro da Biblioteca Nacional
Material produzido a partir das aulas de Estudos Literários II 1°/2017,UFJF, ministradas pelo professor Fernando Fiorese.
Nenhum comentário:
Postar um comentário