segunda-feira, 10 de abril de 2017

Cantigas de Amigo

             A principal característica da cantiga de amigo é a voz feminina, que canta os lamentos  da ausência do “amigo”, que é ”amante”.  Diferentemente das cantigas de amor, onde a mulher é a “senhor”  que o homem, seu “vassalo”, idealiza como algo inatingível, e que deve ser apenas objeto de um amor puro, espiritual, nas cantigas de amigo, a mulher que canta tem seu corpo valorizado, e por vezes se encontra em ambientes populares e naturais , lamentando que seu amante não esteja com ela , ou porque tenha partido, ou porque ainda esteja a chegar, e em outras ocasiões encontra-se também alegre, satisfeita com sua presença. As cantigas de amigo, embora tenham vozes femininas, eram compostas e cantadas por homens. A seguir uma composição de João Soares Coelho (XIII), uma cantiga de amigo, com organização estrófica paralelística e de refrão:
                                           Fui eu, madre, lavar meus cabelos
                                                         a la fonte e paguei-m'eu delos
                                                         e de mi, louçana

                                                         Fui eu, madre, lavar mias garcetas
                                                         a la fonte e paguei-m'eu delas
                                                         e de mi, louçana.

                                                         A la fonte [e] paguei-m'eu deles;
                                                         aló achei, madr', o senhor deles
                                                         e de mi, louçana.

                                                         [E], ante que m'eu d'ali partisse,
                                                         fui pagada do que m'el[e] disse
                                                         e de, mi louçana

                 Nesta cantiga, a voz feminina tem como interlocutora sua mãe, e para ela conta que foi à fonte lavar seus cabelos (e seguindo o esquema paralelístico em que foi composta, na segunda cobra a mesma ideia é colocada, porém, com a substituição de “cabelos”, por “garcetas” que quer dizer “tranças”), e que gostou muito de se ver, provavelmente refletida na água, isso se verifica no refrão “e de mi, louçana”, sendo que louçana quer dizer “ vistosa”. Ou seja, a sua beleza física sendo reconhecida por ela mesma, a partir de um momento “sensual” em que ela lava seus cabelos na fonte, evidencia a diferença da figura feminina presente nas cantigas de amigo, com relação àquela presente nas cantigas de amor, onde a beleza que é notada é mais interior que exterior. Depois entra a figura do homem, o amigo, que é senhor dos cabelos e que diz coisas a ela, as quais a deixam satisfeita (o termo “pagada” presente na última cobra quer dizer “contente”, “satisfeita”).


              Assim, temos um bom exemplo de cantiga de amigo, composta por João Soares Coelho, que tanto em conteúdo, quanto em forma deixa claros os aspectos próprios deste tipo de cantiga. Vale dizer que as cantigas de amigo tinham um caráter popular, e por vezes as vozes femininas presentes nelas são, provavelmente, de camponesas, e além disso, eram comumente cantadas, e feitas para isso, o que garantia sua popularização nos ambientes em que eram interpretadas. 

Abaixo segue uma reinterpretação de uma cantiga de Amigo de Airas Nunes(XIII):



Referências:
http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp#4
http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=883&pv=sim
http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=16
http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=709&pv=sim
A arte de Trovar. Do Cancioneiro da Biblioteca Nacional 
Material produzido a partir das aulas de Estudos Literários II 1°/2017,UFJF, ministradas pelo professor Fernando Fiorese.

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